Desfile em Paris

A história que me contaram aconteceu na França. A mala de viagem estava tão pesada que quase nem fechava. No voo de ida já colocaram a etiqueta vermelha, sinalizando aos transportadores de bagagens o limite máximo, dos 32 kg na peça.

Ao chegar a Paris fez uma promessa: se alguma coisa entrasse na mala, outra deveria sair, nem que fosse ar! Foi só falar e a prima, que havia emprestado a mala, ligou. Ela o lembrou dos cosméticos que precisava, da Galeria Lafayette. Eram produtos pequenos, mas as embalagens geométricas roubavam um bom espaço.

O jeito era cumprir a promessa e se desfazer de algumas coisas. Analisou os pertences e tudo era importante. Só se tirasse as cuecas… E ficou decidido então que elas ficariam em Paris.

Para a operação montou um esquema. Primeiro as furadas ou descosturadas. Depois as mais velhas e, claro, escolheria somente as que já tinham sido usadas nesta viagem. Descartar no hotel também não seria permitido. Poderiam descobrir ou pegaria mal. Se livrar de um exemplar por vez soou como a melhor opção.

No dia seguinte saiu com um pacote de papel e dentro seu primeiro exemplar. Achava que os indivíduos ou câmeras o observavam (todos com raios-x para saber o conteúdo do embrulho). Caminhou nas vielas do Quartier Latin. Parou e sem olhar para trás despejou o primeiro pacote em uma lixeira isolada, dizendo:

– “Desculpe Paris, mas receba com carinho a minha cueca usada!”

Bairro Quartier Latin, Paris.

No dia seguinte, na garoa, quis caminhar para mais longe. No parque des Buttes Chaumont partiu para a lixeira sem medo e soltou mais um pacote. Deu até para ouvir o pequeno ruído da queda.

– “Desculpe Paris, mas receba com carinho a minha cueca usada!”

Estava perdendo o medo. Sentia-se aliviado e começou, inexplicavelmente, a gostar de fazer isso. Faltavam ainda algumas peças. Começou a conciliar o seu “momento de desapego” aos pontos turísticos. Olhava o mapa e escolhia. Queria espalhar cuecas usadas pela cidade. Seria uma manifestação artística deixar uma peça no Museu de Arte Moderna de Paris? Disseram que não tentou, mas ninguém sabe ao certo.

A última foi “deixada” perto da catedral de Notre-Dame, em plena saída da missa. Se não era um vício, tornou-se um ritual. Desta vez passou acelerado pelas pessoas e com o próprio pacote empurrou a aba da lixeira que balançou algumas vezes e sossegou. Mesmo assim sentenciou com a tradicional frase em bom português:

– “Desculpe Paris, mas receba com carinho a minha cueca usada!”

Após várias “entregas”, chegou a hora do retorno. Teve vontade ainda de levar o último “pacote” dedicado ao aeroporto, mas desistiu com medo da vigilância ostensiva e digital. Também não desejava acabar com todas as peças íntimas.

Algumas ainda serviam. As de meia vida poderiam ser usadas e descartadas no momento e lugar certo, com muito mais propriedade e responsabilidade.

No embarque contou com a compreensão da atendente. A bagagem ficou poucas gramas acima do permitido, mas seguiu pela esteira, novamente com a etiqueta vermelha. Após horas e horas de voo, escalas e turbulência, chegou ao Brasil.

Ficou um bom tempo aguardando para retirar sua mala. Então veio a surpresa: a bagagem havia sido extraviada. Ainda bem que já estava em casa e não iria precisar daquelas roupas (inclusive as íntimas). Era só esperar alguns dias para a companhia aérea entregar os pertences em seu endereço. Enquanto isso relembrava como a viagem foi realmente inesquecível!

Marcelo Balbino*

* Marcelo Balbino é jornalista, pós-graduado em Português – Língua e Literatura e mestre em Comunicação, Arte e Cultura.

Confira as histórias do Marcelo no Instagram.

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