Os sons das imagens

Por Marcelo Balbino*

Os recursos tecnológicos da atualidade nos permitem grandes e instantâneas realizações. Basta um clique para ler, ouvir, ver e compartilhar, tudo ao mesmo tempo. Um progresso gigantesco que alterou o mundo definitivamente. Mas nem sempre foi assim… Antes de me chamar de retrógrado ou saudosista, permita-me dizer que sou um entusiasta das tecnologias e novidades, alguém muito grato pelo progresso e a ciência. Meu tempo é o agora, mas lembro com carinho o que passou. Na verdade muita coisa se transformou e continua por aí, com novas roupas digitais. Os sons das imagens guiaram a imaginação. 

Tudo começa com o som de rádio, em um programa matinal de AM. Logo cedo, minha mãe passava roupas e eu ficava ali, sentado perto dela, ouvindo também. Entre jingles e comerciais, um apresentador entoava passagens anônimas de vida, amor, morte, encontros e desencontros. Era a história de alguém que morava longe e se perdera da família. Outro dia contava sobre uma pessoa que precisara viajar, mas que sentia falta de alguém. Às vezes lembrava a época mais feliz da vida de uma pessoa e da saudade que ficara para trás.

Diante destas histórias, todo o enredo visual era sugerido e imaginado na cabeça de uma criança. As palavras causavam movimentos, ditados pela voz e a entonação sentimental do locutor. Por exemplo: aquele que jogava bola no campo tinha cabelo enrolado. A namorada dele era baixinha e usava roupas largas. O pai deles ganhava o rosto do nosso tio, porque tinha o mesmo nome que ele. Tudo era criado de repente. A narrativa criava imagens e a história ganhava cor, personagens, sentido.  

Mais tarde, no programa de rádio que falava de crimes, – e que eu ouvia de longe sem a mãe perceber -, o assassino vinha suado com a faca nas mãos e olhos vermelhos. A imagem dele se prolongava e ficava repetindo na cabeça até a gente entender o que havia acontecido. Para sons mais altos e entusiasmados havia mais aceleração e rapidez. Em outros momentos, dava para sentir a agonia, esperança, alegria e tristeza que tecia a história, palavra por palavra. 

Quando o assunto do rádio também ia passar na televisão, era legal comparar a imaginação com a realidade. De tanto que o locutor repetia os nomes dos personagens das histórias, a gente sugeria a aparência das pessoas. Mais tarde tentávamos ver na TV se os indivíduos se pareciam com aquilo que foi imaginado.  

Havia tempo para exercitar a memória e a imaginação. Podíamos duvidar, errar e conviver com isso antes de recorrer à verdade (original). Existia a expectativa e seu entorno de possibilidades. Era o exercício da paciência e da convivência com a incerteza, com o erro. Mas, como disse no início, não se trata de uma comparação entre passado e presente… não sou saudosista. 

Ultimamente vivo mais no meio digital, de imagens prontas, sem tempo para dúvidas. Basta um clique e pronto. O tempo que sobra geralmente é preenchido com novos conhecimentos. Também é interessante lembrar que muitos programas de rádio do passado permanecem atuais, resgatados pela internet. Audiolivros e podcasts tornaram-se importantes instrumentos de informação e conhecimento, baseados nas mesmas narrativas de áudio e contação de histórias. Bom para todos! Nem o passado ou futuro: viva o nosso vasto presente. Adiante!

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*Marcelo Balbino é jornalista, pós-graduado em Português – Língua e Literatura e mestre em Comunicação, Arte e Cultura. Também é autor dos livros Entre o Sonho e a Realidade (Scortecci) e Espelho (Scortecci). 

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